Aqui está ele, o livro que me tem acompanhado nesta última viagem literária. Este é um livro de crónicas que retrata a época em que o autor e a esposa atravessavam o oceano angustiante chamado cancro. E é a este a que se refere a linguagem menos literária do título.
Entre as idas ao médico e aos tratamentos, MEC, como é conhecido este cronista pelos apreciadores da sua escrita, relata-nos acontecimentos do seu dia a dia. Um dos temas recorrentes são os portugueses. Filho de pai português e de mãe inglesa, Miguel formou-se em Manchester, permitindo-lhe viver durante esses anos fora do país onde nasceu em 1955, Portugal, e criar a distância necessária para olhar para a sua cultura exteriormente. E aqui entre nós, ainda que com alguma crítica, sabe melhor se for um de nós a chamar-nos a atenção.
Outro dos temas, o que me apaixona, é o profundo sentimento que Miguel nutre pelo amor da sua vida, a Maria João, companheira do segundo casamento. Gosto da franqueza com que expõe o que de mais precioso sente. Ao ler a perspectiva do MEC durante esta época da vida do casal, vejo reforçada o lado do sofrimento de quem está perto. A maioria das vezes a tendência é focar-nos em quem sofre o mal fisicamente, mas a dor emocional de quem rodeia o doente não tem medida.
“Antes de começar o tratamento, contávamos os dias até começar (…). Nos intervalos, vivemos e amámo-nos, como se os tratamentos fossem intervalos e os intervalos, comparados com o tamanho e a duração da nossa vida e do nosso amor, fossem pagamentos em dor pelo prazer e pela alegria maior de podermos continuar os dois vivos e apaixonados.”
Desperdiçamos tanto tempo em tanta ocupação desocupada e mal nos apercebemos que temos de nos ocupar em mudar isso.
Já falei aqui do quanto gosto de crónicas, não só pelo curto texto com que cada uma se apresenta, mas sobretudo pelo facto de ser escrito na primeira pessoa. Num romance também conseguimos perceber o que pensa quem escreve, mas neste género literário, a crónica, a forma é mais direta. É como se estivéssemos nos bastidores do que é expresso, mais perto do autor.
E através destas notas autobiográficas que as crónicas acabam por ser, acompanhamos a vida de Miguel Esteves Cardoso numa escrita emotiva na qual, no meu caso particular, me reconheço em variadas situações. Por isso mesmo, acredito que seja uma leitura para todas as idades. Porém, recomendo vivamente que viajam cronologicamente pelos seus trabalhos e tenham em conta as idades, tanto do autor como do leitor. Caso contrário, temo que possam perder a real evolução de vida de Miguel Esteves Cardoso e, algures, um pouco da vossa.
Boa viagem literária!
Se quiserem comprar o livro, podem fazê-lo aqui.
Amo crônicas assim do cotidiano. Já li algumas. Sempre uma leitura fluida e rápida. Adorei esse também.