“Diálogos Para o Fim do Mundo” de Joana Bértholo

O mundo conta-nos histórias, diálogos, que nos transportam para além da nossa concepção das coisas, da nossa imaginação. Sonhos e fantasias consentidos no intuito de nos apartar da realidade por umas gotas de tempo. Histórias que choram, que riem, que se enfurecem, que se surpreendem, que se perturbam, que amam, que cogitam, que matutam, que ruminam… Esta história cisma em incluir-nos nas suas cogitações.

Ler é uma causa. Pensar é uma das consequências.

 

Quanto à autora

Escritora e dramaturga portuguesa, nascida em Lisboa em 1982, Joana Bértholo Licenciou-se em Design de Comunicação em Lisboa e doutorou-se em Berlim onde viveu, entre outros países do mundo como Bélgica, Japão, Índia e Argentina.

Detentora de inúmeros prémios de literatura, conta com um livro de contos e cinco romances. Diálogos Para o Fim do Mundo na sua primeira edição em 2010 pela Editorial Caminho foi a minha porta de entrada para o seu mundo literário.

 

O que me esperava?

Esperavam-me diálogos entre as personagens, diálogos com o narrador. Diálogos sobre a vida, o amor, as despedidas, o início e o fim, a morte, a ressurreição, o antes, o agora e o depois, nem sempre coerentes, muito questionáveis.

Referências à mitologia, à Bíblia e ao cinema. Este livro é um atear propositado à consciência da existência de quem embarca na sua leitura.

 

Quanto à narrativa

Numa narrativa em nada linear, estes diálogos debruçam-se entre o passado representado pela família Kozack.

Uma família de refugiados ucranianos que, face à revolução, decide emigrar para o Brasil onde já se encontra o pai Mikhaylo Kozack, marido de Bertha, pai de Mykhaylo filho, de Kareynina e das trigémeas. Procuram juntar a família num novo lar onde esperam não entrar a fome e a pobreza.

Existem outras personagens relativas a este passado que são o Mykhaylo, general do exército vermelho, uma menina pequenina com ar de imperatriz, Anastasia, e um cão chamado Mito.

 

Em que tempo?

O tempo futuro é representado por um par de amantes, Michael e Nina. Pertencem a um futuro após o fim do mundo, caso o fim do mundo não aconteça entretanto.

E o tempo presente, somos nós, leitores.

Um constante vai e vem entre as personagens e os seus tempos.

Somos interrompidos com questões da nossa realidade para as quais o próprio narrador apresenta soluções questionadas a posteriori. Para além da predominância de adjectivos, assistimos a repetições muito frequentes, a repetição nos nomes das personagens, repetições de palavras e de frases do texto.

 

A minha opinião

É muito provável que esta originalidade possa vir a ser um obstáculo para alguns leitores, mas a mim foi precisamente o que me atraiu!

Este labirinto de personagens e tempos guiou-me por uma viagem imprevisível e entusiasmante. Sem qualquer pingo de moralidade, Joana Bértholo satisfez o que mais procuro num livro, pensar. Pensar no que somos como seres humanos e no que realmente importa.

Por outro lado, sem saber o que me esperava, descobri um mundo, não só meu, mas de quem quiser espreitar.

Recomendado para leitores em busca de leituras profundas.

 

Na absurda radicalidade da guerra, não há distinção entre o médico e o matemático: é uma vida que se soma, três famílias que se subtraem, uma nação que se divide e, somente mágoa e ressentimento encontram a multiplicação.

 

Pensando em tudo o que de mais derradeiro já poderia ter acontecido ao mundo e não aconteceu, ou ainda não aconteceu.

 

Será que o epílogo de uma vida tem de passar por esse balanço final de memórias boas e más, esse ajuste de contas com a pertinência existencial, essa comprovação de que fiz isto, isto, isto, e ainda aquilo, portanto, vivi?

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