O TERCEIRO SERVO de Joel Neto foi uma estreia afortunada no mundo deste autor de língua portuguesa. Curiosidade ao alto, sob um título nada revelador, subi a bordo de uma escrita pouco linear e naveguei pelo mar da capa, entre Lisboa e os Açores.
O livro
O Terceiro Servo de Joel Neto, na sua edição comemorativa do 20º aniversário, pela editora Marcador.
Na aba da capa, na sinopse, é-nos apresentado o jornalista, Miguel Barcelos. Ao ler um notícia onde é anunciado o assassinato de um velho amigo, decide viajar para os Açores, a sua terra natal, para investigar o caso. Os leitores serão cúmplices desta viagem física pelas amplas divagações da memória do protagonista que nos guiam, não só pelos pensamentos de Miguel Barcelos, mas também por temas como as relações sociais, a revolução, a pedofilia, o futebol, o amor.
Joel Neto é um autor e cronista português nascido em Angra do Heroísmo em 1974. Começou a escrever para a imprensa aos 15 anos. Veio para Lisboa aos 18 anos onde se formou em Relações Internacionais. Porém, o jornalismo permaneceu como a sua principal actividade. Regressou à Ilha Terceira com 38 anos, decidido a dedicar-se plenamente à literatura.
Para além de várias colunas espalhadas pela imprensa portuguesa e deste seu primeiro romance, O Terceiro Servo, Joel Neto é também autor de dois outros romances Arquipélago e Meridiano 28, e de dois diários A Vida no Campo e A Vida no Campo: Os Anos da Maturidade.
A minha opinião
Apesar do livro não ter 100 páginas, demorei um pouco mais a ler do que é habitual, confesso! Este facto deve-se a uma razão feliz, “a narrativa complexa e a linguagem elaborada” conforme mencionou Fernando Venâncio na contracapa. Este livro exigiu a minha inteira atenção a cada frase. Apreciei a forma com o autor nos conta em vez de dizer. Como escritora, esta leitura foi um excelente exercício.
Como leitora, apreciei as divagações do protagonista a par e a passo com lembranças e experiências. Não só pelas digressões pelas quais que eu própria pude divagar, mas pelo ritmo que estes elementos atribuíram à leitura.
Ainda no outro dia falava com uma amiga sobre os entre momentos da vida. É entre grandes eventos da nossa vida que moram momentos mágicos de profundas e felizes epifanias, de discernimento súbito que nos ajudam a enxergar um olhar alargado da nossa pequenez. Uma espécie de mapa de nós mesmos.
E este livro foi, para mim, o reforço dessa ideia. A personagem descobre, em pequenos pensamentos e em ínfimas recordações, a chave para questões marcantes da sua vida, abrindo-lhe a possibilidade de respostas diferentes das que tinha, até ali, ponderado.
- Já leu o livro? (…)
- O que tem o livro? – interrompeu Miguel, tentado manter uma imagem de alheamento que a própria surpresa pela inesperada lucidez daquela louca traía abundantemente.
De onde vem o título? Pois bem, não conto aqui castrar o deleite dessa descoberta, pelo menos para mim é sempre um momento significativo da minha leitura, mas posso adiantar que está associado à ideia que o protagonista tem de si próprio.
Se tens uma vocação, um talento, sei lá, tens de desenvolvê-lo, tens de dedicar a tua vida a honrar os compromissos resultantes dessa graça divina… (…) Eu andei anos à procura do meu talento. Anos! (…) Concluí que não podia ser mais do que um bom reprodutor de ideias gerais e decidi agarrar o meu destino.
Eu agarrei nesta leitura com muito apreço e, por isso, recomendo-a!
Se quiseres aceder às minhas pequenas digressões de pensamento ao longo da leitura deste livro, partilho-as aqui.