Os amigos são para as ocasiões

Os amigos são para as ocasiões

– Dizem que o amor é sentir borboletas no estômago, mas é muito mais que isso – e eu vou descobri-lo. Por isso, aqui vai. 

“Jovem de 30 anos, livre, moreno, apaixonado pela natureza procura companheira para uns passeios a dois, nada mais.”

É sob este estado que Sérgio resolve encarar o mês que se lhe apresentava. Ao contrário do que esperava, o aceno das pretendentes a estes passeios não se fez esperar. Não porque a aderência à proposta fosse múltipla ou rápida, mas porque Sérgio não dispunha de muito tempo! Assim, ao fim de uns meros três dias obteve uma primeira resposta ao seu anúncio e foi com essa mesmo que se contentou. Aceitou a primeira aventureira que lhe fez sinal.

Entusiasmado com a reacção positiva à sua maravilhosa ideia, Sérgio pede ajuda a um grande amigo e tenta um primeiro contato via mail. Carla responde-lhe com uma descrição dela própria: 

“Sou uma jovem morena entusiasmada com a nossa comunicação.”

Resoluto em descobrir mais desta parceira, Sérgio descreve-se pormenorizadamente: 

“Sou um atleta de 1,85m, 73 quilos, privilegiado por poder saciar o meu vício em viagens em boa companhia.” 

Carla nunca demorou mais de umas curtas horas a corresponder às investidas virtuais deste novo companheiro conduzindo-lhe os reais sentidos pela liberdade do sonho. Eles riram, viajaram em ideias, trocaram pareceres, contaram segredos, alegrando-se assim mutuamente durante 26 breves dias. E o contato mútuo nunca passou da virtualidade.

Ao chegar o fim do prazo que se tinha imposto a ele próprio, Sérgio, aliás Teófilo, cessou todo e qualquer contato com Carla que, curiosamente, também nunca mais o procurou.

No intuito de dar férias à sua solidão, Teófilo queria lembrar o entusiasmo e inocência de uma juventude. Mas na verdade, a experiência oferece-nos tanta vivência e conhecimento que, ainda que nos tentemos enganar, nem a sensação da vida aparentemente mais perfeita, nos preenche.

Teófilo arrecadou assim esta outra identidade para recordação de mais um episódio dos seus 90 anos de vida. E o amigo, aquele que o ajudou com o primeiro mail para a sua parceira virtual, nunca lhe desvendou que ele próprio era a Carla. 

Foi bom, mas podia ter sido melhor, se tivesse sido mais cedo e mais duradouro… ou, então, não.

4 Comments

  1. Querida Ana Gui,

    Muito obrigada por participares no nosso desafio, «Apaixonas-te a Escrever?», e por teres escrito este conto tão bonito quanto misterioso! Adorei a história de amizade que aqui narraste, e as identidades que os amigos criaram. A reviravolta fez-me sorrir! Não estava à espera! Com poucas palavras, trouxeste-nos uma história maravilhosa sobre o poder da amizade e das memórias do passado. Obrigada!

    Um beijinho,
    Elisabete.

  2. Olá, Ana Gui
    O que dizer? Sabes que gosto muito das tuas histórias, reflito com elas. Gostei muito da reviravolta no fim, não estava à espera. Obrigada por escreveres sobre amizade e, principalmente, por explorares esse sentimento.
    Também gostei imenso que, além da amizade, conseguiste mostrar outro tipo de viagem, uma em que a personagem não sai de casa, mas aventura-se de outra forma. Continua a escrever 😘

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