Sucumbiu desde cedo ao fascínio dos livros e aos universos possíveis da imaginação. A sua visão do ser humano, da sociedade e da natureza representam a sua maior fonte de inspiração e o meio pelo qual escapa à realidade e e nos conduz pelo mundo do fantástico. Mas vou deixar que o nosso convidado de hoje vos conte tudo: o autor R. D. González!
O que lhe deu vontade de escrever livros?
A resposta mais honesta a essa questão é, sem dúvida, ler.
Lembro-me perfeitamente de ter ficado desde logo fascinado com a biblioteca escolar quando iniciei o primeiro ciclo de estudos. Trazia livros para casa e pedia à minha mãe que os lesse para mim e, por mais que recebesse um “está bem, mas não tragas outro amanhã”, chegava a casa com outro livro no dia seguinte! Os livros sempre me fascinaram. Invariavelmente, os hábitos de leitura levaram à criação de histórias, mesmo que não deixassem o imaginário. Quando visitava as feiras do livro e via livros de autores nacionais expostos nas bancadas – ou quando as escolas convidavam autores para falarem dos seus livros – abriram-se portas a esse sonho.
Considero-me uma pessoa bastante observadora e, em consequência disso, também bastante introspectiva, com a mente sempre a trabalhar. E a escrita surgiu como um meio de gerir isso tudo, sendo uma forma de escapar à realidade e, de certa forma, de toda a efemeridade que nos rodeia. Penso que foi a acumulação de ideias, de mundos, e o fascínio pelo mundo fantástico que me levaram à necessidade de começar a exteriorizar os conceitos que tinha criado.
Onde encontra inspiração?
Essa é uma pergunta para a qual não sei se tenho uma resposta objetiva. Se tivesse de apontar algo como fonte de inspiração, diria que é a própria vida; o ser humano e a sociedade – incluindo as minhas experiências pessoais, – mas também a própria Natureza. Acredito que sejam conceitos indivisíveis, por mais que as nossas atitudes enquanto espécie muitas vezes tentem obliterar isso.
O ser humano é um ser de emoções e vivências. É por isso que somos cativados pelas histórias de livros, filmes e séries. Todos nós temos uma emoção que nos ”prende”, seja o amor expresso num romance ou a adrenalina das batalhas na fantasia ou ficção científica. Há sempre um tipo de emoção intrínseca.
Por isso, tudo o que “tenha vida” pode tornar-se uma fonte de inspiração, se for observado no momento certo.
O que retrata(m) o(s) seu(s) livro(s)?
Para já (espero) só tenho um livro publicado: “Fallen – O Anjo do Arrependimento”. Esta história é maioritariamente protagonizada pelo Uriel e conta o processo inicial do seu crescimento na comunidade celestial e das consequências dos seus atos.
Apesar de ser uma obra de literatura fantástica – neste caso centrada em anjos – o que tentei transmitir (espero que com sucesso) é um pouco de toda a fase por que todos passamos entre a adolescência e a vida enquanto adultos: as expectativas da sociedade, o que queremos alcançar e em como todos tropeçamos, de uma ou outra forma, durante a jornada – sublinhando sempre que as interações e relações interpessoais são fulcrais para que esse desenvolvimento seja bem-sucedido.
A vantagem de usar a fantasia como ferramenta é exatamente a de poder concentrar esses obstáculos num ser malévolo e combatê-lo com amizade, amor e perseverança.
Ao mesmo tempo, permite-nos vivenciar novas experiências em mundos e realidades paralelas sem termos de sair de onde estamos. Creio que na nossa realidade atual isso é uma vantagem e cada vez mais a leitura afirma-se como necessária ao nosso bem-estar mental.
Que eventos da sua vida o marcaram e, por consequência, se refletem no que escreve?
Acredito que todas as pessoas que escrevem transmitem um pouco de si.
Quem nos é mais próximo conseguirá relacionar alguma característica de uma personagem à nossa personalidade. Nesse sentido (pelo menos na minha experiência), o que escrevo, a maneira como o faço e o que transmito irá refletir quem eu sou nesse momento, e isso é indissociável das nossas experiências de vida, estados de espírito e emoções. O que vivenciamos reflete-se na nossa escrita. Transcrevendo e transformando tudo em palavras e mundos mudamos aquilo que, de outra forma, não conseguiríamos controlar. Acaba por ser um processo de aprendizagem pessoal, permitindo que qualquer evento se reflita no que escrevemos.
Hábitos de escrita: Onde escreve? Em que momento do dia? Quanto tempo dedica à escrita?
Gostava de poder dizer que tenho tudo definido, mas não seria verdade.
“Fallen” foi escrito maioritariamente em papel. É dessa forma que me sinto mais concentrado. É igualmente o método mais lento, pelo que tenho tentado fazê-lo em formato digital. Isto acaba por expandir os locais de escrita, porque consigo pegar no telemóvel em qualquer lugar e escrever alguma passagem que tenha idealizado no momento. Em geral tento escrever num espaço calmo e com música de fundo.
Em relação ao momento e ao tempo, são conceitos associados. Não me obrigo a escrever. Afinal, deve ser algo que fazemos por gosto, por nos fazer sentir bem e nunca por obrigação. Isso retiraria todo o prazer inerente ao processo. Contudo, costumo escrever no final da tarde ou à noite. Por vezes não escrevo mais do que uns parágrafos; outras vezes consigo terminar um capítulo inteiro. É algo que varia com a inspiração, estado de espírito e o tipo de cena que quero desenvolver naquele momento.
Improvisa à medida que escreve ou conhece o fim antes de escrever?
O fim está sempre pré-determinado. Tenho um ficheiro em que elaboro todas as fases da narrativa, personagens, tipo de ação e pontes entre cenas. Todavia acaba por ser algo meramente informativo em que me posso apoiar para saber onde quero chegar. Muitas vezes surge um novo conceito ou personagem e, quando isso acontece, deixo a ideia fluir. Acaba sempre por ser uma boa surpresa (mesmo para mim) e, geralmente, vai de encontro ao final que quero obter.
Por vezes, o melhor trajeto entre dois pontos não é uma reta, e um caminho mais longo não impede que se atinja o objetivo.
Qual é o teu livro preferido?
Essa é uma questão muito complexa e difícil de responder.
Se tivesse de apontar apenas um livro, seria “Harry Potter e o Cálice de Fogo” (a resposta real seria toda a saga!). Contudo isso seria ingrato para com outros autores.
Por exemplo, em relação à fantasia nacional, não podia deixar de indicar a “Saga das Pedras Mágicas” da Sandra Carvalho, e as “Crónicas de Allaryia” do Filipe Faria. Foram e continuam a ser uma fonte de inspiração e admiração. Se formos para os “clássicos”, José Saramago ocupa o lugar de honra com “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, “Caim” (estão a ver um padrão?) e a parte de fantasia tão bem representada no “Memorial do Convento”.
Mas outros autores marcaram diferentes fases do meu crescimento (e quem sabe qual será o próximo?). Numa idade mais juvenil, as aventuras de “Eragon” estavam constantemente na minha mente. A saga de Christopher Paolini marcou sem dúvida a minha entrada num tipo de fantasia distinto do de Harry Potter. Mais tarde, “As Crónicas do Regicida” de Patrick Rothfuss aprofundaram a minha paixão pelo género (ao mesmo tempo que me deixaram com receio de algum dia tentar escrever fantasia épica!). Por fim, a saga “Red Rising” do Pierce Brown definiu um pouco mais o meu pensamento “adulto”, assim como o meu interesse em ficção científica.
E, por fim, uma breve mensagem de incentivo para quem gosta de escrever e pretende publicar.
Escrevam por prazer.
Todas as ideias que tenham, por mais estranhas que pareçam. Se fizer sentido e vos fizer sentir bem, escrevam. Deixo-vos uma das palavras-chave: muito. Escrevam muito. Leiam ainda mais. Vivam muito. Observem muito. Experimentem muito. E deixem as vossas ideias fluírem.
Se, no final desse processo, pretenderem publicar, pesquisem sobre os vários métodos de publicação disponíveis. Perguntem a autores que tenham publicado por essas vias, sobre as suas experiências, e escolham aquela que mais se adeque aos vossos objetivos. Acima de tudo, não desistam dos vossos sonhos e continuem a escrever. A vossa história – com toda a certeza – irá marcar alguém!
Termino deixando os meus votos de excelentes leituras, os parabéns à Ana Guilherme por esta excelente iniciativa, que permite dar voz aos novos autores nacionais e, acima de tudo, o meu agradecimento pelo seu convite.
Muito obrigada, Ricardo!
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