Se calas, também sentes…

Se calas, também sentes

Quando sentimos dor, não precisamos que digam nada. Só que ali estejam connosco. Se calas, também sentes.

Naquele dia, Vicente acordara com o toque do telefone e o salto que o corpo deu. No visor constava o nome da sua mãe. Por breves instantes, quis pensei que ela lhe estivesse a ligar tão cedo para nada, como já fizera uma ou duas vezes, muito poucas é certo. A tendência natural é sempre a de, primeiro, desvalorizar. No fundo, era a intenção de Vicente, ainda antes de saber que aquele telefonema, àquela da manhã, não seria portador de boas notícias.

“O teu pai caiu e ficou sem sentidos. Chamei uma ambulância. Ele está a caminho do hospital. Eu vou sair agora. Vais lá ter?”

Mais do que o toque do telemóvel, levar com este discurso de enxofre é dose. Tinha acabado de acordar e era-lhe pedido para imediatamente processar…

Por outro lado, como se não bastasse, numa tentativa de acudir à angústia do marido antes mesmo de se inteirar o real estado saúde da sogra, a esposa começou a vociferar que as urgências estão um caos e que iria lá ficar umas largas horas. Como se aquele discurso e tom de voz abonasse a favor tanto da situação, como do estado de espírito no qual o esposo estava prestes a mergulhar.

Em resposta, a braços com tanta informação de uma vez só, não medindo, o esposo retorquiu num tom parecido. Má escolha, sem dúvida! Compreensível porém. Pois, quando a medição das palavras, o cálculo do momento certo para as proferir, o tempero imprescindível das mesmas são constantes cada vez que te pretendes expressar, às tantas, cansas e sai o que sentes, sem filtros.

Depois, as pessoas que te são chegadas estranham. Porquê? Porque não estão habituadas a que fales, por isso não têm por hábito ouvirem-te. De repente, é como se falasses a gritar porque acompanhas as palavras com uma pitada de amargo…

Não era ele a falar, era a aflição. A inquietação de alojar nele uma mega gripe que não lhe dava espaço para abraçar outras pessoas, a revolta de não ter uma porcaria de um carro para poder ir ao hospital, a dor de não poder vociferar também, de não poder expressar que lhe dói a ele também! Assim, preferiu calar-se.

Se quando calas, consentes, quando calas, também sentes!

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