Numa pequena aldeia, a parcos quilómetros de uma grande cidade, vivia um velho merceeiro coxo chamado Salvador. Apesar dos altos e baixos, munido de trabalho árduo, Salvador galgou pela vida acima, isto aos olhos dos outros. Da perspectiva da sua ambição e da sua perna esquerda, Salvador ainda se encontrava aquém do alto da riqueza que almejava alcançar. Só mais um nada e seria o coxo rico da aldeia.
Não fosse a existência de Igor, um jovem agricultor apaixonado pelo seu trabalho, cujo singular empenho culminava em produtos que deliciavam a boca mais gulosa e desviava clientes da mercearia. Este último pormenor divertia o agricultor que devia todo o seu reconhecimento ao imenso esforço do seu braço direito, já que o esquerdo decidira apartar-se num acidente, ainda era ele criança.
Apartados também viviam estes dois comerciantes que, embora rivais, sonhavam em comum com a sua própria fortuna. Se por um lado a escassez a uns resulta em humildade, a outros traduz-se num desequilíbrio acentuado de avidez. Era o caso destes dois!
Assim, engendradas a toda a hora pelo desgastado merceeiro, os dias na aldeia prosseguiam em fartas tentativas de boicote. Inúmeras noites, Salvador invadia a propriedade do adversário com mangueiras a fim de afogar as culturas de Igor, enquanto este, como resposta, bracejava vitimado no dia seguinte e abraçava a empatia e o dinheiro dos aldeões, lassos de tanta chapada e pontapé entre os dois conterrâneos.
Atracados à desvairada embriaguez de ocasionar a sua própria vitória em prol da derrota do oponente, dispor tropeções na vida um do outro ocupou o foco dos dias destes dois obstinados saloios. Não enxergaram que quem já vencera a vã luta fora o recente hipermercado da grande cidade, onde os escassos clientes do pequeno burgo passaram a fazer todas as suas compras, agora em paz.
Seria tudo diferente, se não fossem iguais!