Susana Amaro Velho e a urgência de pensar

Susana Amaro Velho e a urgência de pensar

Para além da escrita ser, desde sempre, um escape, também é uma extensão da memória de eventos da vida, a mesma que lhe serve de inspiração. Quanto aos seus livros, permite ao leitor mergulhar neles e interpretá-los e adianta, apenas, que ambos se centram nas pessoas. A autora faz também um apelo à urgência de pensar e aprender a respeitar as emoções e o lugar dos outros. Hoje, conversamos com mais uma autora portuguesa, a Susana Amaro Velho.

O que lhe deu vontade de escrever livros?

Sempre fui apaixonada pela leitura e pela escritura. Lembro-me de, na Escola Primária, adorar fazer composições. Já na altura, a minha professora disse à minha mãe que eu tinha uma aptidão natural e muita criatividade. Quero acreditar que estava certa. Sempre escrevi diários, contos e, normalmente, quando vivia algo que era digno de se tornar memória, tinha de o passar para o papel. É algo que sempre me acompanhou. Sempre foi um escape. Uma forma de vida.

Onde encontra a inspiração?

Acho que a vida é a inspiração, mas sobretudo aquilo que nos toca particularmente. No meu caso, a minha infância. A minha família tão caricata. As leituras que faço. Os países que visito. Embora acredite que a inspiração não se encontra, brota de nós quando tem de encontrar o papel, a verdade é que há cenários e momentos que contam histórias.

O que retratam os seus livros?

Essa é uma pergunta de resposta fácil: leiam-nos! (risos)
Na verdade, só conseguimos saber o que retrata um livro quando mergulhamos nele. E não podemos ficar a boiar nas linhas. Temos, mesmo, de mergulhar nele. De pensar sobre ele. De perceber a sua essência. Ambos os meus livros se centram muito nas pessoas. Nas relações humanas. No quão difícil é colocarmo-nos no lugar do outro e tirar disso um ensinamento, porque a sociedade tende a ser cada vez mais egoísta.
É preciso parar e pensar.
Aceitar os fantasmas dos outros e saber perdoar, para que possamos viver em paz. Creio que, embora sejam livros no seu conteúdo e até género totalmente distintos, caracterizam-se ambos por este pedido urgente de introspecção.
É preciso lavar as almas para que o mundo seja um sítio melhor e isso só é possível se pararmos com as comparações e aprendermos a respeitar as emoções e o lugar dos outros. 

Hábitos de escrita: Onde escreve? Em que momento do dia? Quanto tempo dedica à sua escrita?

Não tenho hábitos de escrita. Posso passar dias sem pegar no papel e ter outros quase compulsivos. Já me aconteceu estar um fim-de-semana, madrugadas inclusivamente, agarrada a uma história. Creio que, quando não fazemos disto profissão e somos meros amadores, a escrita tem de, necessariamente, se ajustar às rotinas familiares. Não é um trabalho que se faça das 09.00 às 18.00.

Improvisa à medida que escreve ou conhece o fim antes de escrever?

Nunca conheço o final e isso pode ser um problema, porque terminar um livro é uma pedra no sapato.
Custa muito assumir um fim.
Se nos custa na leitura, tantas vezes, ainda mais difícil se torna quando somos nós os contadores da história. Escrevo de rajada e é muito raro fazer planeamentos. Deixo que seja o contexto e as personagens a ditar o caminho.

Qual é o seu livro preferido?

Não sei. Há tantos livros que me marcaram em diferentes fases da minha vida que não seria justo, jamais, escolher apenas um.
Por exemplo, posso começar por dizer que devorei todos os livros de «Uma Aventura», em miúda. Juntava moedas que me davam os meus avós e ia comprar mais um à papelaria do bairro. Era tão difícil escolher. E tinha uma malinha às flores onde guardava o livro que ia comigo para todo o lado. Parece que ainda lhes sinto o cheiro.
Depois, devorei Harry Potter. Noites inteiras acordada. A ler. À espera que saísse o próximo. A sentir-me parte daquele universo.
“O Perfume” marcou-me irremediavelmente. Nunca tinha conseguido sentir cheiros na leitura. É uma ode aos sentidos e um livro intemporal.
“O Diário da nossa paixão” foi lido numa altura em que tinha tido uma paixão de Verão aos 16 anos. Escusado será dizer que o li e reli e chorei e li e reli e chorei.
Os livros somos nós.
E isto são meros exemplos do quanto um livro pode marcar uma época. Um momento. São tantos que não seria justo criar aqui uma hierarquia. Até porque já leio desde os seis anos. São quase 30 anos de vício.

Uma breve mensagem de incentivo para quem gosta de escrever.

Nunca sei o que dizer a quem deseja escrever. A quem quer editar um livro.
Talvez pareça uma pergunta de resposta fácil, mas não é.
De todo. Porque me sinto sempre numa encruzilhada.
Por um lado, é óptimo vermos reconhecido o nosso valor. Saber que a mensagem passa. Que o público nos leu e sentiu. Escrevemos para ser lidos.
Por outro, o mercado editorial é tão injusto no nosso país que me sinto a castrar sonhos se aconselho alguém a fazê-lo. Porque idealizamos prateleiras cheias dos nossos livros. Promoção. Audiência. E, infelizmente, isso não acontece. Só o passa a palavra conta. Só o nosso esforço vale.
Acho que quem quer escrever, quem ama a escrita, deve alimentar sempre esse sonho. Mas deve, também, manter-se sentado. Ser prudente. Não ambicionar demasiado para que as expectativas não saiam defraudadas. Porque, provavelmente, sairão. Embora, um elogio de um só leitor baste para nos deixar felizes e com vontade de fazer mais. E, só por isso, devemos sempre tentar.
Muito obrigada, Susana.
Autora Susana Amaro Velho
Foto da autora Susana Amaro Velho
Para acompanharmos o trabalho da autora Susana Amaro Velho, ela confessa:
O meu Facebook é praticamente inexistente.
O meu instagram é muito pessoal. Partilho o dia-a-dia. Leituras. Não particularmente o que escrevo. Tenho um blogue (altamente desactualizado) – www.whatsuwants.com e pouco mais.
Gostava de ter mais tempo. Mas ele escapa-nos e nem sempre conseguimos fazer tudo o que gostaríamos.
O melhor é mesmo ficarmos atentos e lermos os seus livros.
Livros da autora Susana Amaro Velho

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