Dia de São Nunca 

Aproximo-me do balcão onde se encontra uma colaboradora concentrada entre papéis e computador, tão concentrada que me ignora!

Visto naquela tarde usufruir do privilégio de ter tempo, resolvo passear pelas prateleiras enquanto lhe dou tempo para terminar eventualmente o que tanta a ocupa. Ficção científica, esoterismo, ciências, direito, literatura estrangeira… Desvio o olhar das estantes e à minha frente está uma área vazia com vários quadros expostos e devidamente iluminados. Percebo que a livraria desfruta de uma pequena zona de exposições activa.

– Que boa ideia! – Sorri ao empreendedorismo aparente.

Dou meia-volta e retomo o corredor das estantes: economia, língua portuguesa, língua francesa, língua inglesa, trabalhos manuais…

Volto ao balcão. Tenho tempo, mas o tempo esgota-se. Coloco-me perto da caixa. A colaboradora continua ocupada, desta feita, muito mais. Para além de continuar na tarefa que a impedira de me atender, responde a perguntas de uma cliente habitual. Parece-me habitual pela pouca atenção que lhe dá à qual atribuo excesso de confiança.

A cliente vai embora. Fico eu. Fico eu ali em frente à única colaboradora presente, a aguardar que me dê atenção. Gosto que olhem para mim quando falo. Esperei. Esperei mais um pouco… E avistei o que queria. Esquecendo o facto de, mais uma vez, estar a ser ignorada, dirigi-me para a bancada do autor que procurava. Vejo parte do que quero. Sirvo-me e volto ao balcão. Volto para o mesmo local do balcão onde continua de ar rude esta focada criatura.

– Boa tarde! Neste livro diz segunda parte. Acontece que eu queria a obra por inteiro. Apesar de ter procurado, não encontrei. Pode ajudar-me?

A meio da conversa ela olhou para mim, finalmente, e afirmou não haver a primeira parte.

– Está esgotada há um tempo.

– E não tem noutra edição, ainda que não seja a de bolso? É que não me interessa levar uma parte sem a outra.

Agarrando no livro que eu tinha ido buscar concorda comigo e dirige-se a outra prateleira. Acreditei que estivesse à procura de outra edição. Percebo que não quando, sem o mínimo esforço, volta para o posto dela: o computador.

Não conformada com este término de conversa ainda pergunto:

– E vai voltar a ter?

– Sim. Para a semana!

– Para a semana em que dia? – Perguntei eu enquanto tentava explicar que precisava para segunda-feira, mas fui interrompida com um abrir de olhos e um:

– Para a semana!

Ao contrário de outros tempos, respirei fundo e saí. Confesso que fiquei incrédula com a atitude e resposta. Abandonei a livraria sem agradecer e convicta de que voltaria um dia… Qual? No dia de São Nunca!

2 Comments

  1. realmente, há muita falta de civismo por aí. Mas quando a encontramos enquanto clientes, ainda choca mais. Pensa antes na tua atitude, de teres mantido a calma e teres seguido à tua vidinha. Arrisco-me a dizer que foi essa a grande vitória 😉 Beijinhos!

Deixe um comentário

*