Luís Sanganha
O que fazias?
Fui exclusivamente produtor de programas de televisão (na área do entretenimento) durante aproximadamente 8 anos.
O que fazes agora?
Atualmente, divido-me entre projetos: alguns ainda ligados à área profissional que sempre desenvolvi (nomeadamente a produção de eventos, publicidades, conferências e services) e concilio com aquele que sempre foi o meu grande sonho: a Música (estou numa Companhia de Teatro onde participo em alguns Musicais infantis, tenho um duo de guitarra e voz e faço algumas participações noutros contextos, cantando onde existem convites).
Qual foi o primeiro sintoma da vontade de mudança?
Penso que ele possa ter aparecido sem sequer “dar-lhe voz” durante algum tempo. Sempre gostei do trabalho que desenvolvia assim como sempre me aliciaram os desafios que me foram sendo colocados, numa óptica de crescimento e amplitude profissional. No entanto, também sei que interiormente sempre fui ansiando e sonhando com o dia em que poderia explanar e projetar aquilo que sempre me acelerou o ritmo cardíaco: a transmissão das emoções através do canto. E, sem dar conta, não que tivesse colocado em causa a dedicação diária ao trabalho que fazia, mas percebi que a motivação para permanecer a 100% estava prementemente a ser, cada vez mais, inversamente proporcional à vontade de tentar.
O que te impulsionou a passares à ação?
Parafraseando e adulterando um pouco uma frase de Blaise Pascal, «O “acaso” tem razões que a própria razão desconhece». Muito embora a profissão de produtor de TV esteja estruturada como trabalho independente, a verdade é que estava já há alguns anos na mesma empresa, quando esta terminou o vínculo laboral que fomos mantendo ao longo do tempo. E foi nesse período de reflexão (há cerca de um ano), após vários anos de trabalho intenso, que pude repensar qual o rumo a seguir: ou continuaria a tentar trabalhar no meio e ampliava o espectro de empresas laborais e experiências profissionais, ou teria chegado finalmente o momento de arriscar e tentar poder fazer profissionalmente aquilo que pertencia apenas ao Sonho. Naturalmente, intuí que talvez tivesse chegado esse momento e escolhi a segunda opção.
Tem sido fácil? Quais têm sido os maiores desafios?
Não posso categorizar como sendo totalmente fácil a mudança em si, na medida em que somos obrigados a rever os nossos alicerces mais primordiais. Mas é nas escolhas que vamos fazendo, que diferenciamos sempre entre o que vale a pena abdicar e as coisas sem as quais não podemos viver. Na verdade, acredito que muitas vezes, para darmos passos em determinadas direções, temos que primeiramente recuar alguns também. E foi isso mesmo que fiz! Materialmente fiquei apenas com o essencial (motivou uma mudança de casa, novos hábitos pessoais) e aprendi a ordem do desapego, passando a reflectir melhor sobre as minhas opções quotidianas. E talvez este tenha sido o maior desafio ao longo do tempo, uma vez que te desajustas daquilo que é socialmente o padrão e a que todos somos ensinados desde sempre: enquanto todos lutam para ter mais, tu estás repentinamente a fazer por aparentemente ter menos e a abdicar do que te pode manter a vida como a conhecias até então. Mas como tenho por hábito dizer: “menos dinheiro, mas mais feliz por fazer o que mais gosto”.
Mal sabia eu de que, por antagonismo, estaria a amadurecer do ponto de vista humano. E tenho aprendido também a viver com Liberdade, pois nem sempre é pacífico ficarmos constantemente a depender apenas de nós próprios e das nossas escolhas para corresponder às obrigações primárias da vida todos os meses.
Depois, há ainda outro ponto: o exercício do canto é muito semelhante ao exercício do resto do corpo. Se não o praticas regularmente, corres o risco de enferrujar. Foi nessa fase de mudança que decidi também recorrer ao estudo e à prática do mesmo, confrontando-me com as minhas próprias dificuldades e/ou características que teriam ficado pelo caminho. E, claro, recuperar auto-estima artística, avaliando se as “pernas ainda têm força para correr”.
O que procuras?
Procuro poder subsistir unicamente como intérprete musical, para ter a possibilidade de ter tempo e espaço criativo. Tenho como finalidade poder “servir a Música” (e não servir-me dela!) a tempo integral. Mas como ouvi uma vez o Maestro José Calvário dizer: “As casas constroem-se pelos alicerces e não pelo telhado”.
Já encontraste?
Felizmente tenho tido muito boas surpresas pelo caminho. Ainda não encontrei exatamente o que possa ser pretendido, mas a verdade é que de facto a minha vida deu uma grande volta. Deixei de ser apenas espectador (seja na ida a um espectáculo ou enquanto produtor de TV), para poder regularmente ser eu partilhar as emoções que tenho em cima de um palco (conciliando os projetos mencionados acima). E a verdade é que é dando pequenos passos que o caminho se tem vindo a construir.
Já te arrependeste?
Naturalmente que todos nós podemos ter, num momento ou outro, dúvidas se estamos certos nas nossas convicções. E até receio da falha. Naturalmente que esse medo, uma vez por outra, pode bater à janela. Mas também é ele que pode ter a ambivalência de nos fazer andar para a frente.
Não estou de todo arrependido. Acho que estamos sempre a tempo de tentar perseguir aquilo que acreditamos ser o que mais nos realiza. A efemeridade do tempo e da vida não nos permite deixar que tudo passe sem o esforço da tentativa. E na verdade, posso afirmar que dentro de tudo o que já apreendi, existem duas grandes noções que se destacam: apenas tentando e arriscando poderemos fazer o tal caminho que vive na esfera do desejo/sonho; e, da mesma forma que consegui dar alguns passos atrás para poder “andar para a frente”, posso sempre voltar a recuar mais ainda e tentar redefinir uma nova direção. Porque, na verdade, acredito que importa muito mais como nos sentimos e o que nos faz felizes em detrimento daquilo que à priori pode ser considerado já por nós conquistado, mas que não nos faz viver em pleno.
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Parabéns por esta partilha. Uma inspiração.